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Advocacia contenciosa no Brasil. A quem aproveita?

Atualizado: 12 de jul. de 2023

Tal qual uma bula de remédio, ou ainda o manual de instrução de qualquer outro produto, o objetivo deste artigo é uma análise atual quanto à utilização da Advocacia Contenciosa no presente momento sócio-político do Brasil.


E este artigo nasceu como nascem tantos outros: uma conversa despretensiosa a respeito do dia-a-dia, do trabalho, ou de outros assuntos que permeiam nosso cotidiano.


De antemão ressalto que o artigo não pretende apresentar solução à questão, mas visa dar visibilidade à situação, na esperança de que eventuais consumidores desse produto façam o chamado consumo consciente, e não sejam pegos inocentes pelas consequências nefastas do litígio judicial.


Sem mais demora, mister identificar primeiramente o objeto da presente crítica, qual seja, o processo judicial contencioso. Sem o enfoque acadêmico da questão, um processo judicial nada mais é senão o meio posto pelo Estado para auxiliar a resolução dos conflitos, lembrando que este “auxílio” é compulsório, na medida que o Estado avocou a si o uso da força, proibindo que o particular dela se utilize na busca de seus próprios interesses. Para que o processo judicial contencioso alcance sua finalidade, uma gama imensa de princípios e garantias foram erigidos, com o objetivo de dar segurança jurídica aos que se utilizam do processo.


Assim, antes de termos duas partes em estado de beligerância, recorrendo ao processo judicial contencioso, temos o Estado como garantidor do devido processo legal (due process of law). Aí começam os problemas: qual a relação que o Brasil desenvolveu, até agora, com o processo judicial contencioso? A resposta é simples: a pior das relações possíveis.


 

Com a garantia de um processo judicial contencioso lento, o Estado promove relações judiciais contenciosas em todas as esferas que pode, conduta institucionalizada e disseminada por todo o território nacional.


Segundo um levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2011 a União Federal era responsável por 38% de todos os processos em trâmite no país. Para se ter uma ideia de como o ente público (municipal/estadual/federal) usa o processo judicial contencioso, só no estado de São Paulo, entre os anos de 2010 a 2013, o município de São Paulo figurava como litigante em mais da metade dos processos do Estado inteiro!


Um desavisado poderia, a esta altura, indagar: “ora, a culpa é dos Tribunais, que não conseguem lidar com a quantidade de processos que lá ingressam! Se os Tribunais fossem mais rápidos, o Estado não poderia deles (processos) se utilizar para retardar o cumprimento de seu dever.” Ledo engano: na medida em que o Poder Judiciário, para desenvolver-se de forma a atender a crescente demanda de processos, depende de verba a ser aprovada pelos demais poderes (eminentemente políticos), o sistema apresenta o bloqueio natural ao desenvolvimento do Poder Judiciário. Garante-se a continuidade da estagnação do processo contencioso pela impossibilidade de adequação, de inovação, pois não há investimento!

 

Mas o que é que o Estado ganha com o processo judicial contencioso lento? A resposta é simples: TEMPO. Foi necessária intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar que os débitos dos entes públicos, representados pelos famigerados Precatórios, tivessem como data para pagamento final, o ano de 2020, e diante de tal “audácia” do STF, os entes políticos se mobilizaram para aprovar Emenda Constitucional 114, alterando os prazos. E assim, o Estado vai criando subterfúgios para protelar o cumprimento de decisões judiciais natimortas.


Acontece que este tipo de conduta, de perfil adotado pelo Estado, no âmbito do processo contencioso judicial, gera um reflexo altamente prejudicial ao desenvolvimento humano em nosso país. É notório que o comportamento estatal é antiético e imoral. O que ocorre é que, ao aparelhar o processo contencioso judicial como meio através do qual os interesses antiéticos e imorais prevalecem, o Estado acaba por viabilizar também ao particular um meio de fazer prevalecer interesses antiéticos e imorais.


Assim, não só o Estado legitima sua conduta antiética e imoral, mas legitima a conduta de outros litigantes, que através do processo contencioso judicial, consolida a inversão de valores e a decadência da sociedade, de forma que o processo só aproveita àqueles que, como o Estado, têm dificuldades (momentâneas ou intencionais) de agir de conformidade aos preceitos morais e éticos.

Na relação bilateral, os atores que se identificam reciprocamente como éticos e morais buscam a Advocacia Consultiva de forma a trazer assertividade e efetividade nas relações entre si. Buscam o êxito recíproco, que em última análise garante o crescimento das partes. Da mesma forma, aqueles que identificam seus interlocutores como de alto risco ético/moral tendem aumentar o custo do produto/serviço, garantindo assim a cobertura do custo da Advocacia Contenciosa, sempre presente nas relações com desnível ético e moral.


De forma muito sucinta, observamos que a Advocacia Contenciosa estará sempre presente, porque inerente à sociedade carente de valores básicos na qual vivemos. Infelizmente, a Advocacia Contenciosa é utilizada como meio de perpetuar a injustiça qualificada e manifesta.


De igual modo, a Advocacia Consultiva, com menor abrangência, permeia grupos que conseguem se destacar enquanto promovedores do desenvolvimento humano e social, verdadeiros paladinos da virtude, que não se riem da honra, que não desanimam da justiça nem têm vergonha de ser honesto.



 


3 Rui Barbosa, “Oração aos Moços”.


4 Rui Barbosa, “Sinto vergonha de mim”.

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